Semana passada disse nesse humilde espaço que o Internacional não era um dream team por ter vencido o rival e tampouco a pior coisa do mundo por ter empatado com o rebaixado Guarany de Bagé. Ousei dizer que seria algo entre esses dois. Peço desculpas aos leitores por induzi-los a esta capenga definição. E ampliando o pedido, informo que o que segue é desprovido de qualquer passionalidade. Pelo contrário, pretende reorientar o torcedor a encontrar significados (e palavras!) após a maravilhosa tarde de sábado que viveu. 

Ao longo dos anos, o futebol foi me distanciando silenciosamente da paixão. Hoje, penso que há vantagens e desvantagens nisso. Por exemplo, reside em mim um senso de lucidez que talvez quem esteja perto da montanha não consiga enxergar seu real tamanho. E esta visão vem de uma cartilha cumprida à risca pelo meu time do coração, dentro e fora de campo: desclassificações improváveis (algumas inacreditáveis), discursos absurdos de pseudo-mandatários, além, claro, da cada vez mais flagrante alienação dos jogadores de elencos. Uso “elencos” no plural mesmo, pois a fotografia muda, não o status quo. 

O modo como vivo o futebol hoje é avalizado pelo descompromisso de quem deveria compromissar-se com o futebol. Assim, eles fingem que jogam e eu finjo que torço. Não há espaço para bancar o idiota idealista e lúdico. O futebol está matando o torcedor do Internacional. E temo por essa geração que nem sabe o endereço do estádio porque o pai não tem dinheiro para bancar camisa de trezentos reais, ingresso com valor de conta de luz e ainda fazer o guri comer o cachorro quente do intervalo. Daqui algum tempo, salvo reviravoltas da dramaturgia clichê, o sujeito vai responder que é colorado como responde ser católico ao recenseador do IBGE. “Sou colorado, mas não praticante".

Mas sabe que dias atrás, avistei na frente de um prédio um pequeno gramado. A inscrição na placa me chamou bastante atenção e me induziu a refletir sobre como temos a inclinação natural de suavizar as coisas que nos causa incômodo ou tensão. Curiosamente, pensei rapidamente no Inter! O aviso era bem sucinto.  Dizia: “recolha o substrato do seu cão”. Veja a poesia da frase. Note a singeleza, a suavidade, a complacência da exortação. A substituição do termo é elegante, virtuosa – um capricho meticuloso de seu anônimo autor.

Disse que lembrei do Inter porque essa parece ser a maneira com que os torcedores colorados têm falado sobre o time durante esta fase inglória – e aparentemente interminável – de sua história. Entre tantas frases, vemos coisas do tipo: “Joãozinho jogou mal, mas já nos ajudou muito”. “Pedrinho não é mau jogador, apenas tem dificuldade em se adaptar a esse esquema”. “Com o ‘fulaninho’ e mais dois já dá pra pensar em título”. A mentalidade se tornou tacanha, notem. Sempre falta algo, e parece ser normal se for assim. E creio que a peça de encaixe seguirá por muito tempo longe da Padre Cacique. A paixão – que cega e encobre vergonhas – nos prejudica sobremaneira. Fernando Lúcio, há dez anos, profetizava sobre a “zona de conforto". Anos depois, após derrota por 2 a 1 para o Santos, na Vila Belmiro, pela Copa do Brasil, foi a vez de Luís Manuel Seijas dar o diagnóstico “sincerão” de como ía seu time em campo. Todos nós lembramos, por isso “perdon por la palavra”.

Em todos os casos, na inscrição da placa, na profecia do capitão ou na franqueza do venezuelano, a obliteração dos termos, o abrandar das palavras, tudo isso evoca uma única coisa: o abandono da verdade. O veneno que percorre as entranhas do estádio Beira-Rio é mais perigoso que lixo hospitalar. E depois da acachapante derrota para o rival, já sabemos o desfecho da temporada. Se você ainda nutre algum tipo de paixão pela camisa vermelha, prepare-se para sangrar. Com duas eliminações vexatórias para times medíocres (leia-se medíocre como mediano, comum, meão, etc...), antes de chegar abril (!), vem mais por aí. Ou você crê honestamente que verá um outro 5 a 2 na casa do rival? Tudo bem, tem que pôr os cavalos pra correr a cancha reta e ver o que acontece.  Talvez eu seja um pouco fatalista, mas penso exatamente como o poeta Agenor de Miranda Araújo Neto, ou simplesmente Cazuza: “as possibilidades de felicidade são egoístas”. E escolhendo por eufemismos ou não, o torcedor colorado enxerga bem o que o campo diz desde janeiro. E sabe que terá apenas a Copa Sulamericana e o Campeonato Brasileiro até dezembro. A estrada será longa. Ah! E leia bastante o dicionário: nunca se sabe o momento que poderá embargar a voz e nos faltar palavras.


Rodrigo Rocha


Imagem: TNT Sports

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