Professor Arilson dos Santos Gomes

Há cinquenta anos, em 1971, na cidade de Porto Alegre, um grupo de estudiosos, formado por jovens negros e negras, evocava pela primeira vez o dia 20 de novembro como a data da consciência negra. Antes de homenagear a façanha desses sujeitos é importante trazer alguns elementos para se pensar os motivos que instauraram essa data como um acontecimento relevante.

É lugar comum, em nosso cotidiano, reproduzir estereótipos em relação a pessoas negras. Situação advinda da história das influências da escravidão de africanos e de seus descendentes, considerados como seres sem humanidade e que constituíram a força motriz da riqueza do país. Sabe-se, eram humanos. Todavia, não tratados como tal. Responsáveis pela força à riqueza não tiveram distribuídos os louros materiais de seu trabalho para que pudessem ao menos experimentar os resultados de sua produção. Muito pelo contrário, já que ao invés da inclusão, receberam à exclusão econômica e social.

Sobre as efemérides, o dia 13 de maio de 1888 torna-se uma data emblemática nos seus primeiros anos. Uma data comemorada pelas elites brasileiras e por setores liberais como um marco, já que a escravidão, além de macular a imagem do país, como retratada por Joaquim Nabuco, abolicionista reconhecido, mantinha o país com a triste marca de ser o último país do ocidente a realizar a libertação. Antes dessa data, algumas medidas paliativas foram tomadas pelo Estado para controlar interesses, obviamente, não a transformar a realidade dos escravizados. A Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871; e a Lei dos Sexagenários, de 28 de setembro de 1885, são exemplos. Porém, para o escravizado, uma lei era pior do que a outra, já que aos nascidos “livres” permaneciam sob a égide de seus escravizadores até a maior idade e, geralmente, sem ter para onde ir, permaneciam obrigados à exploração. Quanto aos negros mais velhos, como gozar de uma liberdade se, na maioria das vezes, as suas pernas já cansadas e os seus músculos sacrificados pelo tempo não permitiam?


Essa situação ainda iria piorar no pós-abolição, já que, a partir de uma sociedade abrangente constituída pelas bases da ciência e do racismo científico, consubstanciada pela política do branqueamento, coloca nos ombros dessas populações a culpa pelo seu atraso e pelo atraso do país.

Em um poema de Oliveira Silveira (1941-2009) um dos fundadores do Grupo Palmares, diz:

“Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão (...)

Liberdade de asas quebradas com........ este verso.

Liberdade asa sem corpo: sufoca no ar, se afoga no mar.

Treze de maio – já dia 14 o Y da encruzilhada: seguir

banzar voltar? (...)”

O Grupo Palmares de Porto Alegre e as suas lideranças, seguiram! De 1971 a 1978, o Grupo, mesmo em um contexto adverso, teve como ações, além da crítica à pretensa democracia racial difundida por políticos e pela opinião pública da época, a efetiva denúncia do perverso racismo à brasileira. Antônio Carlos Cortês, igualmente um dos fundadores do Grupo Palmares, certa vez nos falou: “Lembro que as escolas sul rio-grandenses realizavam festejos no dia da abolição e crianças negras sofriam piadas, o que geralmente acabavam em brigas”.

Sobre as façanhas, a primeira: o dia 20 de novembro evocado pela primeira vez pelo Grupo Palmares em Porto Alegre no ano de 1971. Em 1978 foi bradado no estado de São Paulo e da Bahia, pelas organizações do movimento negro como um símbolo de autoestima, resistência e de humanidade e afirmação da identidade à consciência negra. Conforme levantamento publicado pelo jornal Folha de São Paulo, de 20 de novembro de 2017, o Dia da Consciência Negra era celebrado em 1.045 cidades em todo o Brasil. A outra façanha, lamentável, é a de que Porto Alegre, cidade em que surgiu o Grupo e a alusão a data, não tem feriado.


Para saber mais sobre o Grupo Palmares de Porto Alegre e o dia nacional da Consciência Negra, ver:

CAMPOS, Deivison Moacir Cezar de. O Grupo Palmares: um movimento negro de subversão e resistência pela construção de um novo espaço social e simbólico. Porto Alegre, Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS, 2006. Disponível em: < https://bdtd.ibict.br/vufind/Record/P_RS_4f5a701dd19473480bac079d286423c1>. Acesso 03 out.2021.

GOMES, Arilson dos Santos. Por uma história decolonial: a atuação das populações afrodescendentes em ambientes socioculturais de Porto Alegre (1872–1971). Revista Intelléctus UERJ, v. 19, n. 2, jan-jun. 2021. Disponível em: < https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/56821>. Acesso 03 out.2021.

ZORZI, José Augusto. A construção do feriado do Dia da Consciência Negra em Porto Alegre (2001-2019): luta e política do reconhecimento. 2019. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-graduação em História, UFRGS, Porto Alegre/RS, 2019. Disponível em: < https://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/204567/001109966.pdf?sequence=1>. Acesso 03 out.2021.

Imagens: Ricardo Duarte - site do Sport Club Internacional

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